O ICMS na base do PIS e da COFINS e o novo cerco da Receita Federal
13 de Novembro de 2018
Um novo round da penosa batalha dos contribuintes na devolução do indébito derivado da inconstitucional inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS começa a ser travado com a Receita Federal. No último dia18 de outubro, foi aprovada a Solução de Consulta Interna COSIT n.13/18, da Coordenação Geral de Tributação, vinculando os critérios para apuração dos cálculos pelo órgão.
Como esperado, o entendimento do Fisco extrapola, em muito, os limites do quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Especial 574.706/PR, implicando não somente em drástica redução dos valores, como, em alguns casos, esvaziamento integral do valor a ser restituído.
A polêmica está no critério de identificação de qual valor de ICMS deverá ser subtraído da base de cálculo daquelas contribuições, se o destacado na nota fiscal, se o resultante entre os créditos e débitos havidos no mês, ou ainda, ou se o efetivamente pago. Mais terminológica do que jurídica, a controvérsia é derivada de uma interpretação aproximada que faz a Receita acerca do conteúdo e alcance da decisão proferida pelo STF, quando da fixação da Tese de Repercussão Geral 069: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins". Nos termos da SCI 13/18, o entendimento da RFB é o de que somente o ICMS efetivamente pago deve ser excluído.
Não se deve perder de vista que o escopo da sistemática de julgamentos proferidos no denominado regime de precedentes é o de, em última análise, dar racionalidade e funcionalidade às decisões do Poder Judiciário, inclusive em relação aos demais Poderes. Para tanto, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) é hoje obrigada a, nestes casos, determinar a inclusão do tema na lista de dispensa de recursos. Paralelamente, por ser o órgão técnico apto à interpretação jurídica da extensão destes julgamentos, a PGFN também deve proceder à orientação da Receita, o que é feito através de Nota Técnica Explicativa. No entanto, em razão da inexistência de trânsito do julgado do RE paradigma 574.706/PR, a PGFN ainda nada formalizou quanto a ele.
Logo, destaca-se que os efeitos da SCI 13/18 são provisórios, prevalecendo as orientações da Nota Técnica que futuramente deverá ser expedida pela PGFN. Contudo, até lá, a RFB estará vinculada à SCI, de modo que os contribuintes já começarão a enfrentar seus efeitos.
Embora a SCI 13/18 prescreva que deverá ser observado o conteúdo da decisão transitada em julgado para o contribuinte em particular, o fato é que, raramente, serão encontradas decisões que explicitem a interpretação sobre "qual" ICMS deverá ser excluído nos cálculos.
De fato, essa controvérsia não existia até o julgamento paradigma no Supremo. Contudo, já tendo a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS sido decretada pelo STF, a PGFN iniciou essa nova frente, trazendo-a aos processos em andamento, assim como no próprio RE 574.706/PR.
E na ausência de formulação da Nota Técnica Explicativa da PGFN, surge a SCI 13/18, que passa a orientar as atuais análises pela RFB. Para tanto, extrapolando suas limitações de atuação, a RFB passou a fazer a interpretação jurídica dos votos do julgamento, em especial, do voto relator da Ministra Carmen Lucia, concluindo que, em razão do princípio da não-cumulatividade, "o entendimento majoritário" firmado no julgamento do RE 574.706/PR foi o de que o montante a ser excluído nas bases de cálculo de PIS e COFINS é o valor mensal do ICMS a recolher.
Para além das questões pertinentes à indevida interpretação tida pela Receita, já causa espécie a simplificação que adota quanto ao critério, vez que, exatamente em razão desse princípio, sabe-se que o ICMS incidente sobre o faturamento, distingue-se, e muito, do simples valor apurado entre créditos e débitos. A SCI ignora, por exemplo, os ajustes realizados, como nos casos de benefícios fiscais, créditos presumidos e estoque, bem como que, diferentemente das contribuições, a apuração do ICMS é descentralizada. Portanto, sob o ponto de vista da não-cumulatividade, esse é o exato princípio maculado pelo entendimento adotado pela SCI.
Nos casos de saldo credores, por exemplo, não decorrendo pagamento do ICMS, o contribuinte tem direito de crédito perante a Fazenda Estadual, de modo que o ICMS devido foi, sim, quitado. O fato é que o ICMS, por sua sistemática, é adimplido pelo contribuinte quer pelo pagamento, se devido, quer pelas compensações entre saídas e entradas. Não se perca de vista que o ICMS é tributo que incide sobre a circulação de mercadorias, e não sobre a circulação com resultado, da qual, hipoteticamente, decorreria saldo a pagar.
Se do ponto de vista prático a SCI 13/18 adota apenas uma conta de chegada para o cálculo, do ponto de vista jurídico, não guarda nenhuma correspondência com os fundamentos do julgamento paradigma. Da simples leitura mais atenta aos votos, neste particular, em especial, do voto condutor, depreende-se que restou assentado que até se poderia cogitar da apuração de crédito e débito do ICMS, vez tratar-se de exclusão de tributo não-cumulativo. Contudo, o próprio voto, mais adiante, destaca que não se esta a analisar a sistemática de apuração do ICMS, mas sim do PIS e COFINS, concluindo que o regime a ser observado é o de apuração destas contribuições, que prescreve que deve ser excluído da base de cálculo tudo o que não é receita.
Em outras palavras, o ICMS a ser excluído é o ICMS que fora indevidamente incluído na apuração da receita, que outro não pode ser que não faturado, vale dizer, o incidente destacado na nota fiscal, em nada importando a posterior cadeia de apuração do ICMS. De maneira totalmente tendenciosa, a Receita exclui da interpretação a conclusão do voto relator.
No mais, ao entendimento da PGFN de que o julgamento do RE 574.706/PR não teria explicitado o critério de apuração, o próprio órgão está demandando o STF neste sentido. Logo, de fato, não somente a RFB extrapolou na interpretação do julgamento, como fez interpretação de matéria ainda não julgada, ressalte-se, no entender da própria PGFN.
A SCI 13/18, portanto, extrapola limites práticos, jurídicos e lógicos em relação ao quanto já definido pelo STF, de modo que estará em oposição à quase totalidade dos casos ajuizados. Novo contencioso administrativo tende a ser instaurado na batalha do contribuintes, até que a PGFN venha a expedir sua Nota Explicativa à Receita.
O sistema de julgamentos por precedentes adotado pela atual legislação processual objetiva a desjudicialização das demandas. A perpetuação das contendas já decididas impõe instabilidade da jurisprudência, agravando a insegurança jurídica, quer para o setor empresarial brasileiro, quer para investimentos estrangeiros no Brasil. A Receita Federal deve repensar seu papel. Enquanto isso, os contribuintes devem buscar assessoramento para mais essa nova batalha rumo à restituição desse indébito.
Fonte: Mirian Teresa Pascon / Portal Administradores